16 de junho de 2009

Palavra de Macho


Este texto foi extraído de uma matéria que escrevi a quase seis anos atrás. Continuo aprendendo e me surpreendendo.

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Na época da minha adolescência, a cultura era: você tem de ser
bom de porrada e de mulher. Quanto mais namoradas você
tivesse, mais respeitado você seria. Eu namorei várias meninas
para ganhar apostas que fazíamos na turma ou simplesmente
para dizer: “ganhei a mina, bota na lista”. Cheguei a ter algumas namoradas ao mesmo tempo, relacionamentos que não duravam.
Tínhamos um grupo muito unido. Eu, meus irmãos e mais uns sete amigos que sempre estávamos juntos em festas, em viagens, no colégio.
Tínhamos um pacto entre nós, um segredo que a gente sempre praticava:
nenhum de nós poderia passar mais de três meses com uma namorada,
a ordem era rotatividade. O machismo era inatingível naquela época.
A geração pós-Woodstock começava, timidamente, a mudar os conceitos
do mundo. O lema “paz e amor” tomava corações e mentes da juventude
burguesa brasileira, na qual eu vivia. Apesar da época, não nos tornamos
mais ou menos machistas. Os discursos não eram transformados em
atitudes. O machismo estava entranhado nas almas. O “Amor Livre”,
primeira manifestação feminista que o mundo conheceu, facilitou
muito a minha vida de conquistador. Muitas meninas me amaram
por eu fazer esse discurso e eu apenas fazia sexo com elas...
Aos 19 anos, tive meu primeiro bebê, uma menina linda, a mãe
tinha 15 anos. Descuido de juventude mal informada. A nossa
relação juvenil não durou muito, mas comecei uma mudança
interior. Comecei a questionar a minha conduta. Dentro de mim
timidamente uma preocupação se formava. Um movimento
interior, que mais tarde se firmou e mudou toda a minha vida.
Afinal eu tive uma filha, que seria uma menina, depois uma
mulher e que certamente seria iludida, enganada e usada por
um filho-da-puta parecido comigo. Sabia que não poderia
evitar a tragédia, mas talvez preparar meu bebê para conviver
com essa realidade da qual eu era um protagonista.
Um machista querendo ensinar a uma mulher a se defender
dos machistas. Que piada! Mas a separação e a distância
dificultaram a convivência e minha angústia aumentava
à medida que a menina ia fazendo aniversário.
Sem resolver meu conflito interior, tive outra filha. Numa
relação que eu tentei fazer durar muito, coitada da mãe dela...
fiz tudo que não se podia fazer... traí, menti, manipulei, usei,
enfim fiz tudo que um machista faz sem culpa e arrependimento.
Mas veio outro bebê, outra filha. E a angústia interior só aumentava.
Quando as duas filhas vieram morar comigo, porque a mãe teve
uns problemas e as meninas precisavam de mim, me descobri um
machista, mas não um canalha. A experiência de ser pai e mãe foi dura
e maravilhosa. Talvez o melhor e maior aprendizado que tive. Fazia café
da manhã, almoço e jantar. Passava a roupa das meninas irem ao colégio.
Elas decidiram que não teríamos mais empregada. Quase enlouqueci, mas
acatei a decisão e fui para o sacrifício. Feliz, cresci, aprendi e vi o quanto fui injusto
e covarde com as mulheres. Meus questionamentos ficaram mais contundentes,
límpidos e transparentes. Foi só começar a mudar... o processo dura até hoje.
Olhava minhas filhas e pensava como protegê-las dos machistas, como protegê-las dos homens.
Pensava na lei natural: mulheres se relacionam com homens e homem é machista. Não obtive respostas.
Outros relacionamentos surgiram, outros filhos vieram. Ao todo seis: cinco mulheres e um homem. Um felizardo educado
para respeitar as irmãs, as amigas, as mulheres. Ensinado a dar o espaço que elas precisam e merecem para continuarem
a fazer a humanidade a crescer. Na seqüência, duas novas mulheres vieram completar a minha vida, duas netas.
Diante do quadro feminino que a minha vida se transformou, me manter machista tornou-se insustentável.
Muitas respostas sobre o machismo não chegaram, mas percebi que ele desrespeita a condição humana.
A pressão feminina me rodeia e me lembra, sutil e diariamente da necessidade de mudar. Vejo que minhas
relações, todas, foram sustentadas por conceitos e atitudes machistas. E admito que não mudei completamente.
Hoje, aos 50 anos, iniciei um relacionamento totalmente diferente dos que tive antes. A verdade é a
base. O silêncio, a arma mais cruel do machismo, foi abolido por consenso e a relação vai bem.
Descobri que a alma feminina é pura, verdadeira e linda. Apaixonar-me de verdade por ela,
sem as amarras canalhas no machismo, foi a melhor coisa que já me aconteceu.